22 de set. de 2019

O Arco de Violino

1. INTRODUÇÃO 

A partir do séc. XVIII, orquestras têm desempenhado um importante papel social, artístico e até mesmo civilizador em nossa sociedade, sendo um fenômeno histórico observado em várias cidades que as constituíram em decorrência do seu desenvolvimento econômico. Desde o surgimento das primeiras formações orquestrais no séc. XVII, o violino exerce importante papel dentro delas.

Permanece ainda hoje com presença numerosa em relação ao total de instrumentos de uma orquestra, sendo que para cada violino há um arco sendo usado durante a execução de uma obra musical. O arco possui fundamental importância, pois permite a produção contínua de som ao mesmo tempo em que é possível variar sua intensidade e duração. Com ele o músico realiza diversas nuances, acentuações e articulações que permitem produzir sonoridades específicas em instrumentos de cordas friccionadas, o que teria contribuído para manter o violino em posição de destaque ao longo de séculos.

Huber  salienta que houve aumento expressivo do valor dos arcos de violino nos últimos 50 anos devido à escassez e encarecimento da matéria prima e à adoção da música europeia pelo mundo não europeu. Isso teria criado grande demanda por arcos, especialmente pelo mercado asiático.

Atualmente a maioria dos arcos profissionais são feitos de madeira de pau-brasil, antes Caesalpinea echinata, agora Paubrasilia echinata. Embora essa espécie esteja com restrições comerciais internacionais e protegida por lei em virtude do risco de extinção, sua demanda mundial para produção de arcos é estimada em 200 m3 anuais.

Na sua História da pesquisa sobre o violino, Hutchins mostrou que este instrumento tem sido objeto de pesquisa há um século e meio, porém, o mesmo interesse e volume de trabalho não é observado quando se trata do arco. Um dos primeiros trabalhos modernos que trata de propriedades físicas do arco de violino remonta a década de 1970, na proposta de Reder, onde centro de massa e raio de giração, entre outras propriedades, são apontados como possíveis indicadores de qualidade do arco.

Pode-se destacar o conjunto de estudos de Askenfelt que trata de avaliar as técnicas de utilização do arco, as medidas do seu movimento, a força aplicada sobre a corda e também comparativos entre arcos de boa e má qualidade. O movimento do tipo agarra-desliza, que resulta em uma oscilação de relaxação inflingido pelo arco na corda é explicado de maneira introdutória, com diferentes graus de complexidade, nas referências. Cabe frisar que não existe um modelo fechado que descreva completamente a interação do arco com a corda, apesar da sofisiticação obtida nos trabalhos de McIntery , Cremer e Woodhouse. Recentemente Gough debruçou-se no estudo dos modos normais de vibração do arco de violino, revelando um conjunto amplo e complexo do comportamento vibracional do arco.

Dadas as restrições legais em relação ao uso do pau-brasil e, seu valor simbólico como árvore nacional, pesquisadores brasileiros têm dedicado tempo à procura de espécies similares a fim de comparar suas características anatômicas, físicas e químicas e analisar a viabilidade de sua utilização como arcos para instrumentos musicais. Poucas espécies com características semelhantes ao pau-brasil também apresentam a viabilidade técnica necessária. Entre essas está a madeira de ipê (Handroanthus spp.) estudada por Longui et al. cuja análise de propriedades da madeira, construção de arcos e análise subjetiva por músicos foi o tema da dissertação de Fomin. Materiais além de madeira, como fibra de vidro e fibra de carbono por exemplo, já foram utilizados.

No presente artigo trata-se do arco de violino como um objeto musical que forma um conjunto com o violino, mas que possui certo grau de independência deste. As mudanças sofridas pelo arco ao longo da história até atingir a sua forma moderna, a descrição da funcionalidade de suas partes e os materiais utilizados são apresentados na seção 2. As propriedades físicas mais relevantes do arco e o seu comportamento vibracional são o assunto da seção 3, que encerra o trabalho.

2. O arco de violino
2.1. Evolução histórica

O arco de violino do séc. XVI era uma haste de madeira convexa ou quase reta, tensionada por um feixe de fios de rabo de cavalo presos em suas extremidades, muito semelhante a um arco para atirar flechas. Não apresentava padrão estabelecido em relação ao comprimento, forma e estética, podendo variar bastante nessas características dependendo do tipo de música para a qual ele era usado. Através de pinturas da época estima-se que alguns arcos teriam o comprimento aproximado de 380 mm e os mais longos teriam em torno de 630 mm. Além disso, a crina aparentava ser fixa em ambas as extremidades do arco, não permitindo ajustes de tensão.

Estando a arte de tocar instrumentos de corda no séc. XVII em constante aperfeiçoamento, houve necessidade de controlar o nível de tensão na crina dos arcos conforme o tipo de música tocada. As necessidades musicais levaram à procura de madeiras mais apropriadas para a vareta, houve a redução da sua convexidade e também, através de sua configuração geométrica, buscou-se harmonizar a resistência à flexão e a elasticidade da madeira nos arcos. Além disso, alguns sistemas de dispositivos com parafusos tornaram-se conhecidos e utilizados no final do séc. XVII, permitindo regular com facilidade a tensão desejada para a crina. Fétis apresenta arcos datados de 1620 a 1790 como prova visual de que não houve alteração em sua forma, argumentando inclusive que estes eram grosseiros. Porém, fontes consideradas confiáveis, como Mersenne, deixam claro que o arco era totalmente satisfatório para o músico e a música da época, sendo alguns desses arcos mostrados na figura. Se comparado com o arco moderno, os antigos eram ligeiramente mais curtos e mais leves e tinham uma faixa de crina mais estreita.
Figura 1 Cronologia das alterações da forma do arco de violino entre 1620 e 1790. As associações são feitas tanto aos autores que reportaram tais arcos como aos violinistas que os utilizaram, segundo representação apresentada por Boyden , o qual apresenta uma imagem a partir da qual criou-se esta figura. 
David Boyden  sugere que as alterações nas características físicas do arco de violino iniciam-se com o violinista italiano Arcangelo Corelli (1653-1713), ao redor de 1700, até chegar a Tourte em 1800. Corelli e seus pupilos violinistas Pietro Antonio Locatelli (1695-1764), Francesco Saverio Geminiani (1687-1762), Francesco Maria Veracini (1690-1768), Gaetano Pugnani (1731-1798) e Giuseppe Tartini (1692-1770), desenvolveram um arco que pode ser caracterizado como modelo Corelli-Tartini . De acordo ainda com Fétis, Tartini melhorou o arco de Corelli ao redor de 1730-1740 fazendo uso de madeiras mais leves e de uma vareta mais reta. Este foi utilizado na música italiana na primeira parte do séc. XVIII, medindo normalmente de 610 mm a 710 mm em comprimento total, apresentando vareta convexa e talão fixo. Alguns mais avançados eram ajustados por mecanismos de parafusos.


Pode-se também identificar o “arco alemão”, como um modelo mais pesado e que geralmente usava uma vareta convexa, foi considerado de certo modo primitivo, com uma ponta volumosa como foi ilustrada por Leopold Mozart. Porém, na cronologia segue o “arco de Cramer”, associado ao violinista Wilhelm Cramer (1745-1799) que viveu a maior parte de sua vida em Mannheim (Alemanha) e depois de 1772 em Londres (Reino Unido). Esse modelo pode ser considerado decisivo em direção ao arco moderno, porém prevalecendo como arco transitório entre os modelos Corelli-Tartini e Tourte.

O arco usado por Cramer é um modelo único, a partir da extremidade delgada do arco, sua ponta se estende para duas direções lembrando a forma de um machado. Esse modelo ficou conhecido como “machado de batalha”. O talão é cortado à frente e atrás, o que torna esse modelo de talão particularmente leve - e parece ter sido relativamente pouco usado antes de existirem nos arcos de Cramer - faz uso de um moderno mecanismo de parafusos, um dispositivo de aperto encontrado nos melhores arcos do fim do séc. XVII. A vareta levemente mais comprida que o modelo de Corelli-Tartini e um pouco maior que o de Tourte. Porém, o mais significante nessa vareta é a curvatura côncava, isso implica na crina ceder menos quando o arco está pressionando a corda e, como consequência, obtém-se uma resposta sonora mais imediata a partir do ataque do violinista até a produção da nota. Finalmente, a largura da faixa da crina desse arco pode ser ligeiramente maior do que 6 mm, típica dos arcos de Corelli-Tartini, porém mais estreito que os 11 mm atuais.

O último modelo é o famoso arco de Tourte, aperfeiçoado em 1785. É o arco que permanece sendo usado universalmente até hoje, sendo o mais apropriado para músicas depois do séc. XVIII, tardiamente com Mozart e Haydn, Viotti e Beethoven. François Xavier Tourte (1747-1835), relojoeiro francês e exímio conhecedor de materiais, juntamente com Giovanni Battista Viotti (1755-1824), violinista italiano, são tidos como responsáveis pela consolidação do arco moderno, cuja principal diferença é a curva inversa em relação ao arco antigo.

O modelo de arco desenvolvido por Tourte e Viotti tornou-se referência para as gerações posteriores de archetiers. Teóricos como Woldemar e Fétis chamam o arco de Tourte de arco Viotti, por causa do violinista Viotti que foi um dos pioneiros em usar o arco de Tourte. Um fator que dificulta conhecer por quem e quando foi construído determinado arco é que tradicionalmente, ao contrário do luthier, o archetier não identificava a sua autoria nos arcos. François Tourte raramente estampou seu nome em seus arcos, mesmo ele tendo sido um famoso archetier. Dourado aponta que não só a forma mas também a madeira que ele utilizou naquele momento, o pau-brasil, continuam sendo utilizadas hoje. Stowell salienta que, do ponto de vista técnico musical, Tourte teria conseguido reunir no seu modelo de arco de pau-brasil, alguns aspectos fundamentais para os músicos contemporâneos dele, como: leveza, resistência e elasticidade necessárias para a execução da crescente variedade de golpes de arco exigidos pela variação do gosto musical.

Em um tratado do séc. XVII, segundo François Lesure consta a indicação de que a madeira pau-brasil já era usada para este fim um século e meio antes de Tourte. Fato é que pau-brasil tornou-se um material tradicionalmente empregado na construção de arcos e o modelo desenvolvido por Tourte possibilitou o enriquecimento da técnica de arco para as novas tendências musicais surgidas na época, sendo que desde o séc. XVIII, o pau-brasil é conhecido, por causa de suas características, como o material ideal para construção de arcos para instrumentos de corda.

Tourte padronizou e aprimorou o arco em sua melhor forma, combinando as melhores características dos arcos anteriores. Fixou o comprimento total do arco de violino, incluindo o botão do parafuso com cerca de 740 mm a 750 mm; a extensão útil da crina com 650 mm e a largura da faixa da crina com cerca de 11 mm. A aparição do arco de Tourte em Paris é geralmente considerada como sendo o fim da história evolutiva do arco mas, houve ainda um desenvolvimento paralelo na Inglaterra. Os arcos de John Dodd, o “Tourte” inglês, tinham qualidades comparáveis aos de François Tourte, embora fossem menos elegantes e mais curtos.

Além de ser muito importante na construção de arcos no final do séc. XVIII, Paris foi também o centro de um recém despertado interesse na construção de violinos e técnicas de execução violinística. Pela primeira vez na França aparece um grande construtor de violino, Nicholas Lupot (1758-1824). O desenvolvimento em Paris da técnica do tocar violino avançou tão rápido que a Escola Francesa tornou-se a principal para toda a Europa no séc. XIX. Assim, a liderança nas técnicas de violino e construção de arcos e violinos passou da Itália para a França no final do séc. XVIII. Com isso, uma nova geração de violinistas franceses como Pierre Baillot (1771-1842), Pierre Rode (1774-1830) e Rodolphe Kreutzer (1766-1831) (pupilos e colegas de Viotti) espalhados por toda a Europa levaram o arco de Tourte com eles.

François Tourte foi o archetier que mais recebeu louvor ao longo do tempo, mas essa fama é devida também ao empenho de outras pessoas que participaram ativamente na história do arco. A forma final do arco de Tourte foi alcançada por um processo de evolução e não de revolução, durante um período de 40 ou 50 anos. Isso requereu um esforço de dezenas de artesãos como John Dodd, o pai de François e outros incluindo o projetista do arco de Cramer, que tinham tanto talento quanto François e ainda permanecem anônimos.

Com a possibilidade de novos materiais sintéticos no séc. XX, manteve-se a forma do arco Tourte, porém construído com fibra de carbono. Esses arcos podem variar tanto em qualidade quanto em valor e atualmente sua aceitação ainda não é tão ampla, embora estejam no mercado desde a década de 1960. Arcos de fibra de carbono, ainda que funcionais, são demasiado recentes para que se possa dizer que são o próximo passo evolutivo do arco Tourte.

2.2. Forma contemporânea

Um arco côncavo como os antigos, ao ser utilizado, pode ter a mesma tensão nas crinas e, aplicar a mesma força sobre as cordas que um arco convexo moderno do tipo Tourte. A completa descrição da diferença de resposta entre os dois tipos de curvatura só pode ser alcançada através de uma teoria dinâmica do arco, a qual foge do escopo deste trabalho porém, algumas considerações podem ser feitas. Para um arco côncavo, a condição de sustentação da crina pode apresentar mais variações dependendo da localização do ponto de contato com a corda, enquanto que no arco convexo essa variação é menor.

No caso do arco côncavo, as extremidades da vareta aproximam-se na medida em que a crina é tensionada quando se aumenta a força que esta aplica na corda. Já no caso do arco do tipo Tourte, com o aumento da tensão na crina, a aproximação das extremidades da vareta é muito pequena, permanecendo estas praticamente estáticas dentro de certos limites de funcionamento do arco. Uma demonstração visual desse comportamento é feita pelo Dr. C. R. Ervin  que também atua como luthier e archetier.

Esse comportamento diferenciado do arco moderno está ligado a sua curvatura convexa (camber, em inglês) e também à variação de espessura em diferentes pontos do arco (tapering, em inglês).
Segundo Lehmann  um arco é uma vareta curvada feita em madeira de pau-brasil, em que são esticadas crinas recobertas com fina camada de breu, também chamado de colofone geralmente composto de resina extraída de coníferas, usado para vibrar as cordas de instrumentos musicais friccionados (violino, viola, violoncelo, contrabaixo, etc.). A haste de madeira inteiriça, curvada, possui comprimento aproximado de 726 mm a 736 mm (sem o botão), como ilustrado na figura 2, onde estão representadas suas dimensões aproximadas e partes principais. A haste do arco pode ser dividida em três partes principais: I - Uma ponta, ou cabeça, com cerca de 22 mm a 25 mm de comprimento, conforme a figura 3; II - Um segmento de haste curva, que pode ter forma cilíndrica ou prismática, de diâmetro variável ao longo do comprimento, com cerca de 595 mm, a qual é mostrada no centro da figura 2; III - Outro segmento de haste de forma cilíndrica ou prismática, com aproximadamente 110 mm de comprimento e geralmente 8 mm de diâmetro constante, localizado na extremidade oposta à ponta e detalhada na figura 4.


Figura 2 Arco de violino moderno em visão geral, onde são apresentadas as principais partes e dimensões. A divisão em ponta, porção de diâmetro variável e porção de diâmetro constante da vareta é mostrada junto com alguns detalhes da fixação da crina na extremidades da ponta e talão. 

Figura 3 Detalhes da ponta do arco e da fixação da crina. 

Figura 4 Detalhes da porção com diâmetro constante do arco, mostrando o sistema de parafusos que permite a regulagem de tensão da aplicada na crina através da movimentação do talão. 

Os detalhes da estrutura da ponta são mostrados na figura 3. No lado oposto à ponta do arco há um componente chamado talão, detalhado na figura 4, que geralmente é feito de madeira de ébano (Diospyros ebenum) onde a outra extremidade da crina é fixada. O detalhamento das partes que compõem o arco é feito na figura 5, sendo que a descrição das funções e materiais associados a cada parte, a se iniciar pela vareta, são agora descritas de maneira sintética. A vareta é o principal elemento do arco, responsável por manter o efeito de arqueamento e a parte que mais influencia na eficiência do arco. A ponta é o local onde se prende a crina, também um ponto de apoio para o efeito de arqueamento, na qual está localizado o encaixe da crina ou mortasa, que consiste no orifício onde a crina é fixada. A ponteira tem por função prevenir a quebra da ponta da vareta e em caso de queda reforçar a estrutura da ponta. Pode ser feita de osso, marfim ou metal (era usada também para encontrar o equilíbrio de massa do arco). Já o taquinho é uma pequena peça de madeira cortada em forma trapezoidal que é encaixado na mortasa para a fixação da crina, a qual, por sua vez, é o material natural que entrará em contato com as cordas do violino e através do atrito vai gerar o som no instrumento.
Figura 5 Visão explodida do arco de violino, sendo as partes indicadas: 1 ponteira, 2 ponta, 3 vareta, 4 crina, 5 taquinho da ponta, 6 talão, 7 botão, 8 encaixe da crina ou mortasa, 9 guarnição ou fasciatura, 10 parafuso do botão, 11 parafusinho do talão, 12 taquinho do talão, 13 chapa traseira do talão, 14 anel, 15 chapa da base do talão, 16 prego de fixação da chapa da base do talão, 17 encaixe do parafusinho do talão, 18 anel do olho, 19 olho, 20 mortasa do talão, 21 lingueta de madrepérola. 
Passando para a região do talão, um canal escavado no arco serve de encaixe para o parafusinho do talão. Rosqueado no talão, este parafusinho é ao mesmo tempo a peça que pode prender o talão ao arco e também é a porca que se conecta ao parafuso que entra pela extremidade do arco através de um furo na vareta. Em conjunto, esse sistema de parafusos mantém o talão preso à vareta e permite movimentá-lo para aumentar ou diminuir a tensão da crina. O botão do arco serve para girar o parafuso ao qual ele está fixado e movimentar o talão.

 A guarnição ou fasciatura consiste em um pedaço de couro com um enrolamento metálico logo à frente do talão. Serve de apoio para o dedo indicador e evita o desgaste da madeira da vareta. A chapa da base do talão evita o desgaste exagerado da vareta e do talão nesse ponto, bem como evita que este se movimente lateralmente.


Essa chapa, assim como outras partes de metal no talão, já foi utilizada anteriormente para equilibrar o peso do arco, mas hoje está muito associada à estética. Geralmente é afixada ao talão com cola e também com pregos de fixação.


O anel do olho, normalmente composto de algum metal como prata, níquel ou ouro, serve para ornamentação, assim como o olho, que normalmente é composto de madrepérola. Quando é usado um anel de prata e um olho de madrepérola, o modelo é chamado de olho parisiense. Esse é o elemento de maior liberdade artística, onde o archetier pode intervir no arco, sendo comum a realização de outras figuras além do olho. O talão tem a função de manter presa uma das extremidades da crina e se acoplar a vareta, de forma que quando movimentado, permite tensionar ou relaxar a crina. A mortasa do talão, assim como a mortasa da ponta, é um orifício escavado, que serve para prender a crina - que tem suas extremidades amarradas - e é mantida fixa, sob pressão, por meio de um taquinho de madeira. O anel tem como função segurar a pressão da cunha que por sua vez distribui uniformemente a crina na largura determinada. Por fim, a lingueta de madrepérola serve para dar acabamento cobrindo a crina do talão.

De acordo com Huber, apesar de existirem diferenças entre as dimensões dos arcos modernos, elas se restringem a uma pequena amplitude de variação. A sensação de equilíbrio nas mãos e a distribuição do peso do arco ao longo do comprimento são de grande importância para o músico. Segundo o autor, a largura, o afunilamento e a tensão uniforme da fita de crina que faz contato com as cordas do instrumento, também são relevantes para o músico. Entretanto, os fatores determinantes para a qualidade de funcionamento do arco são a elasticidade da madeira e a distribuição da rigidez e tensão ao longo do seu comprimento.
3. Aspectos físicos do arco
3.1. A vareta: materiais e forma

De acordo com Beament, algumas varetas de arcos antigos eram feitas de pau-cobra (Brosimum guianense) e acredita-se que essa era a espécie mais usada antes do advento do arco moderno. Algumas espécies de madeiras utilizadas pelos europeus na confecção de arcos eram conhecidas como: brazilwood, brazilette, Brasileinholz, brésil, etc. Estes são termos genéricos que antigamente podiam se referir à espécie Caesalpinia sappan conhecida na Europa em virtude do uso para tingimento e que até o ano de 2016 era do mesmo gênero do pau-brasil. Entretanto, o termo em língua estrangeira que pela literatura está mais associado à madeira de pau-brasil (Paubrasilia echinata) é uma tradução da expressão “madeira de Pernambuco”, a qual aparece nas variantes Pernambuco wood, Fernambuk, Pernambukholtz, le bois de Pernambouc etc. como utilizado nas Refs.

Essas madeiras parecidas com o verdadeiro pau-brasil foram muito usadas na fabricação de arcos baratos especialmente na Alemanha e França no final do séc. XVIII e início do séc. XIX, mas não apresentavam firmeza e flexibilidade extraordinárias se comparados ao pau-brasil (Paubrasilia echinata). Atualmente arcos produzidos em larga escala com baixo custo continuam tendo sua madeira denominada brazilwood, mas geralmente se refere à maçaranduba (Manilkara spp.).

Carvalho indica que o pau-brasil apresenta crescimento muito lento e irregular, levando décadas para chegar ao ponto ideal de corte para construção de arcos. No entanto, essa madeira continua sendo utilizada para a confecção de arcos no mundo todo. Por essa razão medidas para a conservação produtiva e uso sustentável já estão em execução no Brasil como o projeto Pau-brasil e outros com apoio internacional como The International Pernambuco Conservation Initiative (IPCI). Assim sendo, alguns pesquisadores têm dedicado tempo à procura de espécies similares a fim de comparar suas características e analisar a viabilidade de sua utilização como vareta nos arcos para instrumentos musicais. Algumas madeiras já foram estudadas, apesar disso, ainda são poucas espécies que apresentaram características semelhantes à Paubrasilia echinata e que, além disso, também apresentam viabilidade técnica. Entre essas está a madeira de ipê (Handroanthus spp.) estudada por. Fomin obteve uma avaliação satisfatória por parte de músicos profissionais para arcos de alta qualidade construídos a partir de madeira de ipê.

Em estudos realizados por Alves et al. com a madeira de pau-brasil classificada por archetiers em níveis de qualidade potencial para confecção de arcos, amostras foram analisadas anatômica, física e quimicamente. Dentre as características daquelas madeiras, foi possível concluir que amostras classificadas como melhores tinham as seguintes características físicas: valores de módulo de elasticidade (MOE) à flexão estática acima de 17.650 MPa, valores de módulo de ruptura (MOR) à flexão estática acima de 196 MPa, velocidade de propagação sonora estimada por ondas de tensão acima de 4300 m/s e, velocidade de propagação sonora estimada por ondas de ultrassom acima de 5300 m/s.

Uma análise mais sofisticada permite estabelecer um “índice de desempenho” (Performance Index - PI) para as madeiras usadas em arcos de instrumentos de cordas através da eq. (1), onde ρ é a densidade volumétrica da madeira. Para o material de confecção do arco, duas destacadas características são a densidade e a resistência à flexão, a qual está diretamente ligada ao módulo de elasticidade da madeira ou material utilizado. A massa da vareta e a resistência à flexão se acoplam pois, a massa depende do conjunto de espessuras da vareta, as quais estão intrínsicamente ligas a resistência à flexão. Quanto mais fino for um arco, menos massa ele terá e menos resistente à flexão ele será. Como alterações nas espessuras interferem ao mesmo tempo na massa e na resistência do arco - e a partir dessa relação - é possível inferir que dentro de uma faixa considerada adequada de peso (58 g a 62 g) deve haver também faixas de densidade e de módulo de elasticidade ótimas que deveriam ser procuradas nas madeiras para varetas de arco. Desta forma, o índice de desempenho serve para estimar o potencial da madeira a partir da relação entre essas propriedades, salientando que este pode ser obtido por método não destrutivo, antes mesmo da uma madeira ser destinada à construção de um arco.

Para a sua determinação, o material precisa estar nas mesmas condições de umidade e temperatura, para que possam ser devidamente obtidos os valores da densidade ρ e do módulo de elasticidade MOE. A sugestão dos autores é de que a madeira deveria estar dentro da faixa 1.000 kg/m3ρ 1.100 kg/m3. Já os valores recomendados para o MOE são acima de 17.650 MPa, segundo Alves et al.. Estando ρ acima do valor recomendado, a vareta pode ter que ser afinada para diminuir a massa e consequentemente perderá resistência. E no caso de ρ estar abaixo da faixa sugerida, apresentando alta resistência à flexão, a madeira pode ter que ser deixada com mais massa, resultando em firmeza excessiva. Com esses dados obtêm-se um índice que permite estabelecer um ordenamento entre o material analisado, classificando-o hierarquicamente, em termos de provável qualidade, aumentando as chances de se produzir um arco com propriedades e características equilibradas. Os valores do índice encontram-se ao redor de 0,1, sendo que quanto maior o índice, maior o potencial da madeira. É comum a venda de madeiras para arcos com valores que variam em função da velocidade de propagação do som, sendo o valor de venda proporcional a velocidade mensurada. Ao se adicionar ao cálculo de PI a densidade do material, aumenta-se a precisão na classificação do potencial de qualidade da madeira para arcos, destacando a importância deste índice.
PI=MOEρ.
(1)
Partindo da parte cilíndrica ou prismática do arco, o diâmetro da vareta decresce de aproximadamente 8,0 mm para 5,0 mm imediatamente antes da cabeça do arco. Supondo que essa porção seja divida em 10 pontos, o diâmetro decai 0,3 mm por segmento. Saint George aponta que se expressado matematicamente, o perfil das espessuras do arco é representado por uma curva onde o eixo das ordenadas, representando as espessuras, aumenta em progressão aritmética enquanto o eixo das abcissas, representando as distâncias entre as espessuras, aumenta em progressão geométrica. Essa variação logaritmica do diâmetro d da vareta do arco já havia sido observada anteriormente pelo luthier francês Jean Baptiste Vuillaume (1798-1875) e, pode ser expressa, segundo Ablitzer et al., por
d(x)=d01+ϵlnxxx,
(2)
onde os parâmetros da eq. (2) são d0=8,77 mm, ϵ=0,255 e x=825 mm. Nessa descrição, a porção inicial de 110 mm comprimento, com seção transversal constante, não é considerada e, a função é satisfatória até a posição x=650 mm, depois dessa posição, o diâmetro previsto é menor que o real, conforme mostra a figura 6. Dada a forma diferenciada da ponta, não é possível atribuir um diâmetro a mesma. A curvatura da vareta do arco depende da tensão aplicada na crina, de forma que a discussão de forma matematizada envolveria descrever a curva em função da posição, parametrizada com a tensão aplicada na crina.
Figura 6 Variação do diâmetro da vareta do arco de violino segundo Ablitzer et al., a qual é satisfatória até aproximadamente a posição 650 mm, a partir deste ponto, o diâmetro previsto é menor que os 5mm que geralmente se verificam nos arcos. A origem é tomada como sendo a extremidade oposta a ponta, sem considerar o parafuso, resultando em uma vareta de 723 mm. 
Materiais além de madeira já foram utilizados como tubos de aço, alumínio, fibra de vidro e fibra de carbono por exemplo. Em estudo realizado por Caussé et al., músicos foram convidados a testar vários arcos de violino feitos em fibra de carbono e, a partir de um arco de pau-brasil, eles expressaram dissimilaridades entre os arcos. O resultados indicaram que os feitos de material sintético se distanciam na avaliação dos músicos em critérios mais subjetivos como o tipo de som produzido pelo arco e, apesar de serem tecnicamente eficientes, não foi possível associar propriedades físicas ou mecânicas às preferências dos músicos neste estudo.

este material foi retirado do site: http://www.scielo.br/scielo.php?script=sci_arttext&pid=S1806-11172018000400403

autores:
Igor Mottinha Fomin
Lucas Guilherme Schafhauser
Jorge Luis Monteiro de Matos
Silvana Nisgoski
Thiago Corrêa de Freitas

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