Entrevista com o
Professor e
Violinista Paulo Bosisio
Edson Queiroz de
Andrade (UFMG)
O professor e violinista carioca Paulo
Bosisio tem sido há quase três décadas uma referência nacional para os
violinistas brasileiros. Após um longo período na Alemanha na década de 1970,
estudando e apresentando-se
em vários países da Europa, Bosisio
retornou ao Brasil e dedicou-se desde então à árdua missão de formar
violinistas e professores de violino em nosso país. Com esse intuito, viaja
regularmente à Curitiba (PR), Tatuí (SP) e Volta Redonda (RJ), onde leciona para
uma disputada classe de alunos.
No Rio de Janeiro, é professor na
UNI-Rio, e recebe ainda alunos particulares que se deslocam de vários estados
brasileiros para suas aulas. Além disso, está presente em diversos festivais de
música pelo país,onde ministra aulas práticas e máster classes, e realiza palestras
diárias sobre temas pertinentes à história, pedagogia e performance do
violino. Conhecedor profundo de um vasto repertório violinístico, com extrema
facilidade e capacidade de se expressar verbalmente, bem como de
demonstrar suas idéias no violino
com qualidade e objetividade, e ainda
violinista ativo como solista e camerista, ele teve como modelo um dos
maiores nomes da história do violino –
Max Rostal. É sobre sua relação com este grande mestre do violino que
conversamos. Temos aqui, portanto, o
privilégio de registrar o testemunho daquele que conheceu bem de perto
e fez parte de uma era de ouro da
pedagogia do violino no século XX.
Edson Queiroz de
Andrade – Este ano comemora-se o centenário de nascimento de Max Rostal, um dos mais
importantes nomes da pedagogia do violino de todos os tempos. Como aluno de Rostal
por 8 anos, você teve como poucos a oportunidade de observá-lo de perto no exercício
do seu ofício. Como foi estar próximo desse grande professor?
Paulo Bosisio – Foi uma fonte de
inspiração e conhecimento que não cessou jamais. Uma
experiência única, sob o ponto de
vista artístico e humano.
E.Q.A. – Quais outros
professores de violino se destacaram na geração de Rostal, e
como eles se
relacionavam?
P.B. – Yankelevich e
Oistrach (este para alta interpretação) na Rússia, Samohyl (Áustria),
Galamian e Gingold (EstadosUnidos),
Jean Calvet (França),Sandor Vegh (Suíça e Alemanha), André Gertler (Bélgica e Alemanha) e
Tibor Varga (Suíça e Alemanha).Estes grandes professores Nem sempre éramos melhores amigos.Rostal
relacionava-se especialmente bem com Oistrach.
E.Q.A. – Que tipo de
reconhecimento teve Rostal ao longo de sua vida e depois de sua morte, em 1991?
P.B. – Todos esses mestres
foram amplamente reconhecidos em vida e gozavam de muito
prestígio. A morte fez alguns nomes,
infelizmente, caírem em esquecimento. Aqueles que
escreveram obras ou métodos,bem como
revisões, como Rostal,Galamian,Gingold,ou foram violinistas do porte de um Oistrach,
serão sempre lembrados.
E.Q.A. – Qual você
considera o principal diferencial que tornou Max Rostal um expoente de sua geração?
P.B. – A capacidade de
fazer o aluno pensar dedutiva e objetivamente.A análise dos princípios de causa e efeito,bem diferente
daquele violinismo subjetivo e empírico do século XIX e mesmo de grande parte do século XX. Isto
tudo associado diretamente à grande arte, ao respeito absoluto pela criação dos grandes
mestres, procurando sempre suas fontes originais.
E.Q.A. – Você
desenvolve um trabalho excepcional de formação de violinistas e
professores de
violino no Brasil, com alunos e ex-alunos em posições de destaque em diversas orquestras
no país e no exterior, bem como em universidades e escolas de música nacionais.
Quais influências de Rostal estão presentes em sua maneira de
ensinar?
P.B. – São influências que
norteiam pelo menos 70%daminha forma de
dar aula, naturalmente adaptadas ao nosso tempo e meio.
Tento, entretanto, dar cunho pessoal a tudo isso, mesmo porque, como dizia Rostal, nenhuma
cópia é tão boa quanto o original.
E.Q.A. – Esse ano o
11º Concurso Nacional de Cordas Paulo Bosisio, organizado pela Pró-Música de Juiz de
Fora, tem o subtítulo “Em memória ao centenário de Max Rostal”. Qual era o pensamento
de Rostal em relação a concursos e competições desse gênero?
P.B. – Ele achava que isso
fazia parte da profissão, e era convidado como júri em todos os
grandes concursos internacionais. Ele
próprio instituiu o Concurso Carl Flesch em Londres,
existente e importante até hoje.
Quanto à forma de julgar em concurso, dava ênfase à
personalidade artística e ao
envolvimento do intérprete com o repertório executado.
E.Q.A. – O Concurso
Nacional de Cordas Paulo Bosisio envolve outros instrumentos de cordas além do violino.
Qual a relaçãode Rostal com a viola,o violoncelo e o contrabaixo?
Os seus conceitos
seriam aplicáveis ou têm sido aplicados nesses instrumentos?
P.B. – Os instrumentos de
corda constituem uma única família, com características técnicas e sonoras individuais. No início de
sua carreira em Berlim, Rostal também constituiu um quarteto, com sua primeira esposa ao
violoncelo.Além disto, era um brilhante violista, o que é comprovado na sua célebre gravação,
com Tortelier, do Don Quixote de Strauss. Seus conceitos, em linhas gerais, podem e
são freqüentemente aplicados em outros instrumentos de corda.
E.Q.A. – Por seu
intermédio, enquanto professor e coordenador das Oficinas de Música de Curitiba, Rostal
esteve no Brasil para lecionar. Como foi para ele essa experiência e quais foram suas
impressões sobre o Brasil?
P.B. – Ele já havia estado
no Brasil em 1972, em férias, quando concedeu entrevistas para
jornais e revistas da época. Ficou
muito impressionado como calor humano brasileiro e visitou uma prima idosa que desde a época da
guerra morava no Rio. O curso que ministrou em Curitiba, reunindo violinistas de todo
o Brasil, foi em 1985. Deste curso ele afirmou ser o envolvimento emocional e afetivo de
todos os participantes o que mais o impressionou. Realmente foi inesquecível.
E.Q.A. – Rostal
chegou a perceber alguma particularidade no aluno brasileiro?
P.B. – Não.Aliás, achava
que o talento era algo sem pátria, indistinto a qualquer raça ou povo. Ponderava às vezes, entretanto, que o
latino normalmente é mais efusivo e, ao mesmo tempo, menos disciplinado.
E.Q.A. – Hoje, muito
se comenta sobre a existência de uma padronização técnica na
performance
violinística, sobre a ausência de individualidade, de “marca registrada” no intérprete das
gerações recentes. Essa era uma preocupação de Rostal em relação aos seus alunos? É
possível apontar estratégias adotadas por ele para evitar tal padronização?
P.B. – Sim, com certeza.
Por mais que reconheçamos em diversos alunos de Rostal atitudes artísticas e técnicas semelhantes, o
mestre fazia questão que fôssemos diferentes uns dos outros. Pela observação, ele traçava o
perfil psicológico, artístico e até anatômico de cada um de nós e, dentro deste perfil
individual, desenvolvia seu trabalho. Com certeza, não éramos como pãezinhos recém saídos do forno –
bons, porém mediocremente iguais.
E.Q.A. – Poderia
detalhar um pouco mais como Rostal considerava as diferenças
anatômicas entre os
alunos? E as diferenças culturais ou mesmo facilidade para este
ou aquele repertório?
P.B.– Desde a
postura,peculiar a cada porte.Como na escolha do dedilhado,onde normalmente apresentava duas opções para tamanhos
diferentes demão. Ambas,entretanto,eram atreladas ao pensamento artístico daquele
momento, na obra. Nas diferenças culturais ou facilidades específicas em relação ao repertório,
seguia o exemplo de seu mestre Flesch, ou seja, insistia em trabalhar intensamente com o aluno
nos pontos onde ele aluno era menos brilhante, ao mesmo tempo propondo, em apresentações
públicas, o repertório que mais se identificava com o intérprete.
E.Q.A. – Qual o mais
importante legado de Max Rostal?
P.B. – O respeito pela
criação e recriação musical (compositor-intérprete), a capacidade de
deduzir,avaliar e solucionar
problemas,a honestidade artística e a ética profissional.Um exemplo para todos
nós.
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